sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Parênteses de final de ano

Loooonga ausência. Mas, nos espaços que são nossos, sempre voltamos a aparecer. E eis-me aqui, para registrar que o ano finalmente termina e que algum tempo - ou alguma sensação de tempo, pra ser mais correta - volta às minhas mãos.

Gosto muito dos finais de ano - esses ritos de renovação. Tenho sempre essa sensação gostosa de que, por algumas semanas, abre-se um hiato, um parênteses no calendário, nas agendas, nos relógios e podemos pensar, sonhar e fazer várias pequenas coisas que, no correr ligeiro do período de fora do parênteses, escorrem feito areia por entre os dedos. É uma ilusão boa de se ter, essa. Arrumar armários e gavetas, cozinhar, ligar e escrever para amigos distantes, terminar aquele romance começado e recomeçado infinitas vezes, ouvir música esparramada no sofá, sem fazer mais nada além de ouvir música (isso sim é que é luxo!). Várias pequenas grandes coisas que cabem no espacinho desse parênteses. Delícia pura.

Numa dessas, escutei a playlist da rádio Eldorado com algumas canções dos 10 melhores álbuns nacionais de 2009 - segundo a Eldorado. Não sei se são os top 10 de verdade - se tem algo que não acompanhei durante o ano foram os lançamentos desse mercado musical... - mas as músicas são muito boas e as e os eleitos também. Tem Adriana Calcanhoto cantando Gatinha Manhosa! Do Léo Jaime, lembra?? Muito bom... gosto de final de infância... Enfim, segue o link para a playlist. Abram seus parênteses e façam ótimo proveito!

http://www.territorioeldorado.limao.com.br/musicas/playlists/playlist.php?guid=EB2CCF0E2016449B813915AC65065CF8,melhores-%C3%A1lbuns-de-2009---nacionais-

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

À lua

Há dias em que a lua aparece branca
Inteira
Iluminada

E o reverso faz-se direito
Teso, retilíneo.
Mas também leve e fugidio
Quase corriqueiro
Quase corredio
Quase sombra se não fosse luz

E o revolto faz-se pacífico
Lento e dourado
Caminhando pela áurea escuridão alumiada
Embalado por um cântico de eternas noites
De eternas notas
De infinitos suspiros
De ventos quase brisas
E de brisas quase ventos

E as cores, já menos cores
Espelham brilho
Ressaltam contornos
Abrem caminhos
Para deixar passar a lua
Que às vezes surge inteira
Branca
Iluminando

Nina Madsen

domingo, 20 de setembro de 2009

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Independência de quem, mesmo?

Tenho sim um lado ufanista. Apesar dos pesares, adoro o Brasil e adoro propagandar as maravilhas da nossa terra por aí. Nada de carnaval e futebol - muito óbvio, muito clichê, muito irritante. Mas a música, a criatividade, o colorido, a diversidade cultural e o espírito leve, informal e, sempre que possível, alegre desse país. É isso o que desperta meu ufanismo, mesmo nos momentos de mais profunda desilusão.

O 7 de setembro definitivamente não me comove. Acho meio patética a insistente tentativa de fazê-lo parecer às demais festas nacionais mundo afora e essa história de desfile militar é o fim. A data não desperta nenhum sentimento profundo de amor à pátria, não te permite nenhuma associação ou vinculação a um processo real e generalizado de independência. Pra mim, a única independência que se proclamou naquele 7 de setembro foi a de D. Pedro, que ali, às margens do Ipiranga, decidiu que era já bem grandinho para seguir obedecendo a seu pai. Saiu bem na fita, o rapaz. Virou imperador e levou este enorme país verde e amarelo.

Desse momento em diante, o que o Brasil experimentou foi uma longa sucessão de dependências as mais diversas.

Independência de verdade, acho que é outra coisa. E, no nosso caso, acho que são alguns e plurais momentos ao longo de uma história mais recente. O sufrágio universal, a constituinte de 1988, a eleição do Lula, o FMI saindo do país. Foram todos gritos de independência bem mais audíveis, bem mais reais que aquele remoto "Independência ou Morte".

Hoje, portanto, aproveito o feriado para saudar nosso país e nosso povo por estar continuamente conquistando sua independência, apesar do 7 de setembro...

domingo, 6 de setembro de 2009

sábado, 5 de setembro de 2009

Appris par corps

Ontem fui assistir ao espetáculo Appris par Corps, da companhia Un loup par l'homme, parte da programação do Cena Contemporânea desse ano (aliás, imperdível!).

São dois homens no palco, dialogando através da dança e da acrobacia de uma maneira impressionante. Apesar da intensidade dos movimentos, há muita leveza, fluidez e sintonia, o que acaba por eliminar, em boa parte do tempo, aquela suspensão da respiração típica de espetáculos circenses/acrobáticos.

Vale a pena ver pela beleza e precisão do trabalho corporal, pelo bom-humor do espetáculo e pelas reações da platéia - umas das partes mais divertidas da noite, eu achei. Metade achava que estava diante de um quadro circense; a outra, pensava que assistia a um super cult espetáculo de dança contemporânea. Resultado: no meio do espetáculo, depois de uma acrobacia impressionante qualquer, a primeira metade aplaudia e soltava gritinhos de empolgação (como no circo), enquanto a outra metade, com cara feia e arrogante, pedia silêncio num coro de ssshhhhhh (como que pedindo o silêncio necessário à apreciação da arte em cena). Hilário!


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O sumiço do Belchior - será que pega?

Qual não foi a minha surpresa ao ler, essa semana, que o cantor Belchior está desaparecido há 2 anos! Não sou fã de Belchior, nem um pouco fã, aliás, e não tinha a menor idéia de que o cara andava sumido há tanto tempo. O fato é que a história me intrigou. Não, a história me fascinou! Como é que pode uma figura pública como ele simplesmente sumir sem deixar rastro? Imediatamente me veio à cabeça a óbvia tentação: se ele consegue, será que eu também não posso tentar?

Digo óbvia porque no dia seguinte eu já lia na Folha que Tom Zé anunciava vontade de entrar na onda. É claro. Quem é que não quer tomar um belo chá de sumiço de vez em quando?

Fiquei imaginando as situações possíveis e viajando na história.

Cena possível # 1: de saco cheio de tudo e de todos, depois de um dia alucinante de trabalho e conflitos, Belchior, dirigindo seu conversível azul (??), decide não virar à esquerda como todos os dias, mas sim seguir reto atéééééé não poder mais. Ao longo do percurso, ele vai, quilômetro a quilômetro, se despojando de cada amarra, de cada obrigação, de cada conflito. Sem mala, sem dinheiro, sem planejamento de viagem. Sem destino certo. Ele vai dirigindo. De repente, a luz da gasolina acende e ele decide que é hora de parar. Pronto. Começa aí a nova vida de Belchior.

Cena possível # 2: ele sai apressado de casa pra não se atrasar pra reunião super importante com o empresário dele: salvamento de carreira. Pega um táxi e, no meio do caminho, recebe uma ligação do dito cujo que avisa que deu xabu: nem adianta reunião, conversa, nada. A gravadora já disse que nem fudendo. Belchior desliga o telefone e, num clarão de entendimento, pede pro taxista mudar de rumo e seguir pro aeroporto. Lá, ele procura o balcão mais vazio e compra uma passagem pro destino mais improvável - no Brasil ou no Mercosul, é claro, porque o cara não ia sair com o passaporte de casa assim, sem mais nem menos. Embarca e desaparece. Começa aí a nova vida de Belchior.

Cena possível # 3: essa, na verdade, é a mais chata - é a planejada, arquitetada, com direito a visto pra Bora Bora, mala pra 3 meses e cartas de despedida ultra rascunhadas. Não tem graça.

Eu não conheço as condições do sumiço do cidadão, não li as matérias, não vi o Fantástico. De repente a história é muito trágica e eu tô aqui me divertindo com a desgraça alheia. Espero que não. Em todo o caso, não pude evitar ser tomada por essa inspiração retórica de sumir também. É que a vida às vezes se enrosca na gente de um jeito que nem parece nosso. É como de repente acordar e se ver personagem de uma história que não é tua. E aí o jeito é sair. "E se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar, quando eu me encontrar...". Boa sorte pro Belchior...

sábado, 22 de agosto de 2009

Uma pausa de mil compassos

Diz o meu avô que a chuva de agosto é a chuva do caju e que, esse ano, ela chegou uns 15 dias atrasada - o tempo dela é, na verdade, o início do mês, quando os cajueiros começam a florescer anunciando a fartura dos frutos. Mas, pelo caju ou não, o fato é que a chuva de ontem nos surpreendeu a todos.

Impõe um certo momento de suspensão, uma chuva em pleno período de seca em Brasília. É como se tudo o mais parasse e perdesse a importância durante aqueles breves minutos em que a água vai caindo. O vento, o cheiro, o som. A chuva é um pacote completo de despertar sensorial. Enleva e eleva. Pelo menos aqui, nessas terras áridas do planalto central. A chuva aqui definitivamente não é a mesma chuva de São Paulo ou do Rio, onde ela anuncia mais catástrofe que redenção.

Acho que essa chuva de ontem nos alivia um pouco desse arrastar sem fim que é o mês de agosto. Outro dia, uma amiga comentou que agosto parecia ter 20 semanas - não acabava nunca! Respondi a ela que era porque agosto é o começo do fim: é o primeiro mês útil do fim do ano, é quando nos damos conta de que nosso arbitrário tempo está se acabando. Aí é aquela correria louca - de repente se esgotam todos os prazos do mundo e os dias parecem não ter fim.

Daí vem a chuva pra nos avisar que, com prazo ou sem prazo, o Tempo não é nosso. E que mais vale então parar por 10 minutos pra sentir a brisa e o perfume da terra molhada. Merecida pausa de mil compassos num mês de 20 semanas....

domingo, 2 de agosto de 2009

sábado, 1 de agosto de 2009

Sobre canções e orações

Há algo de religioso, de espiritual na música. E há canções que, pra mim, são como orações. Me tocam, emocionam e elevam muito mais que qualquer reza de dizer com livro na mão - seja lá qual for o livro. A música e a dança são minhas pontes para o divino, para a transcendência. Não te pedem nada em troca, não te enquadram nos limites de uma identidade, não separam - reúnem.

Outro dia postei um vídeo de Elis Regina cantando Águas de Março - bonito demais. Uma oração de força e de cadência. Outra que gosto muito de repetir, e que tem inclusive "oração" no nome, é a Oração ao Tempo, de Caetano: "Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso, tempo, tempo, tempo, tempo, quando o tempo for propício...". Eita, que é bonito...

E tem Sonho Meu, também, de Dona Ivone Lara. Cantada pela Marina de la Riva, ficou um primor. Deixo o vídeo pra vocês se elevarem comigo...

segunda-feira, 27 de julho de 2009

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Guimarães moçambicano

Para mim, Mia Couto é o equivalente moçambicano do nosso Guimarães Rosa. O trabalho inventivo e laborioso com a linguagem, o embrenhar-se pelos rincões populares cada qual de seu país e a melancolia árida e forte das gentes abandonadas são marcas das duas literaturas. A beleza poética que te seduz e te permite ler o áspero como se suave fosse, também.

Abaixo o começo de dois contos do livro "O fio das missangas", publicado em 2004 pela Companhia das Letras:

"Há um rio que atravessa a casa. Esse rio, dizem, é o tempo. E as lembranças são peixes nadando ao invés da corrente. Acredito, sim, por educação. Mas não creio. Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. Vos guio por essa nuvem, minha lembrança" (Inundação, pág. 25)

"Na minha vila, a única vila do mundo, as mulheres sonhavam com vestidos novos para saírem. Para serem abraçadas pela felicidade. A mim, quando me deram a saia de rodar, eu me tranquei em casa. Mais que fechada, me apurei invisível, eternamente nocturna. Nasci para cozinha, pano e prato. Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha" (A saia almarrotada, pág. 29).

terça-feira, 14 de julho de 2009

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pra quem gostou d'A Elegância do Ouriço...

Voltando do Rio nesse final de semana, me deparei, na livraria do aeroporto, com o recém-publicado (no Brasil) "A morte do gourmet", primeiro livro da Muriel Barbery, autora do extraordinário "A elegância do ouriço". Comprei e devorei - ou, melhor dito, neste caso, degustei. O livro é uma verdadeira viagem gustativa. Maravilhoso, apesar de menos intenso e mais efêmero que "A elegância...". Seguem abaixo alguns trechos, para despertar os paladares e a curiosidade...

"...isso é que é bom na hora dos doces: só são apreciados em toda a sua sutileza quando não comemos para matar a fome e quando essa orgia de doçura não satisfaz a uma necessidade primária, mas cobre nosso palato com a benevolência do mundo" (pp. 24).

"A carne é viril, poderosa, o peixe é estranho e cruel. Vem de outro mundo, o de um mar secreto que jamais se entregará, demonstra a absoluta relatividade da nossa existência e, no entanto, dá-se a nós no desvendamento efêmero de uma região desconhecida. Quando eu saboreava aquelas sardinhas grelhadas, como um autista a quem nada, naquela hora, conseguia perturbar, sabia que me tornava humano por esse extraordinário confronto com uma sensação vinda de outros lugares e que me ensinava, por contraste, minha qualidade de homem" (pp. 36).

"Deus, isto é, o prazer bruto, sem partilha, aquele que sai do núcleo de nós mesmos, que só leva em consideração nosso próprio gozo e que da mesma forma volta a ele; Deus, isto é, essa região misteriosa de nossa intimidade em que estamos inteiramente entregues a nós mesmos na apoteose de um desejo autêntico e de um prazer sem mistura" (pp. 124).

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Para Joana

Jojô tava doente - gripada, mas (ufa!) nada de suinidades nessa gripe. E como mora longe, fora do alcance dos nossos cuidados e mimos, disse a ela que tomasse mingau todo dia de manhã, que era acalanto de aquecer a alma. Mingau é que nem colo. Te esquenta, te aninha, te protege.

Uma outra amiga - a Angelita, do renew! - sempre recomenda chocolate quente à noite, antes de dormir. Também é uma boa receita de colo, ou de auto-colo. Chocolate quente à noite e mingau de manhã, então, é imbatível, a pessoa até se cansa de tanto colo.

Também embalam: rede num final de tarde nem muito frio, nem muito quente; um bom café expresso com um pedaço generoso de chocolate; assistir Cantando na Chuva (Mary Poppins também serve) pela enésima vez; uma boa cama com um bom livro num dia de chuva.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Vik Muniz


O que vêem teus olhos?
Um monte de lixo - o que é pra você?
O resto da tua macarronada de domingo - te diz alguma coisa?
Para Vik Muniz, é tudo palavra, linguagem. Vira arte.

Num documentário, ele conta mais ou menos assim a história do primeiro artista: um dia, um homem (sic) viu um enorme formigueiro e, confundindo-o com um bizão, acertou nele sua lança. Chegando mais perto e se dando conta do engano, correu para sua aldeia e avisou a todos "corram, tem um bizão na floresta!". Todos saíram à caça do animal, atirando, ávidos, suas lanças no formigueiro. Enquanto isso, escondido atrás de uma árvore, o primeiro homem ria, divertindo-se com a ilusão produzida. Este foi o primeiro artista, conta Vik Muniz.

Pra ele, portanto, a arte é essa capacidade humana de ver, naquilo que existe, o que não existe. É ilusão, é mímese, é a originalidade da cópia, da transfiguração.

É também desvendar e recriar os mistérios, nunca esgotá-los. "O passo brutal que a humanidade se impôs está concentrado exclusivamente na remoção de toda inescrutabilidade e ambiguidade nesta passagem pela vida. Preferimos a chegada à viagem, a pornografia à sedução, a vigilância à confiança, os reality shows às histórias fantásticas, a insônia ao sonho. Com a mídia onipresente e avassaladora, raios x, sonorradiografias, câmeras escondidas e videoconferências revelamos tudo e nada escondemos - esquecendo-nos de que aquele que vê através de tudo é no fundo tão cego quanto aquele que nada vê" (Muniz. Reflex, 2007: 07).

A arte de Vik Muniz é feita assim: desvendando e recriando mistérios. Ela parte de imagens capturadas, reproduzidas com materiais os mais diversos e reconvertidas em imagens. De um monte de lixo, ele produz retratos das pessoas que vivem no lixão e fotografa esses retratos feitos de lixo. Dos restos da macarronada, surge uma medusa assustadora. Com um punhado de açúcar sobre uma superfície escura, ele desenha e fotografa os rostos de doces crianças caribenhas.

Eu não conhecia Vik Muniz e não tinha nenhuma idéia do impacto de sua obra até ver sua exposição no Masp. Pirei. Me encantei não só pela obra genial do artista, mas também pelo discurso político e pelo conceito atístico por trás da obra (ler Vik Muniz tem sido tão estimulante e enriquecedor quanto foi ver). Ele é absolutamente contemporâneo - mistura técnicas, utiliza materiais inusitados, transforma em belo o grotesco, em aprazível o asqueroso, cria a partir de conceitos abstratos - sem deixar de ser acessível, sem deixar de alcançar e se comunicar com qualquer público. E, num momento artístico como o atual, em que oscilamos entre o comercial de fácil digestão e o conceitual de impossível compreensão, esse é um mérito a ser aplaudido.

A exposição está no Masp, o livro se chama Reflex e foi publicado no Brasil pela CosacNaify. Valem muito a pena, ambos.

O avesso do avesso do avesso

Há algumas cidades bem fáceis de se amar. O Rio, por exemplo. Muito fácil, muito óbvio. E a obviedade de certos amores sempre me pareceu de um tédio mortal. Difícil - e estimulante - é amar São Paulo, é ver beleza naquela feiúra toda. Eu amo São Paulo. Amo aqueles dias de mau-humor profundo que a cidade tem: o céu cinza, sem nenhuma possibilidade de sorriso azul; o ar carregado, denso, que te faz sentir cada inspiração; a garoa inconveniente que sempre te pega no meio do caminho; os andares apressados e indiferentes, às vezes até grosseiros, de seus moradores. Amo a diversidade absurda das gentes, ainda que saiba que nela e por ela se instala desigualdade profunda - eterna panamérica de áfricas utópicas. Amo o anonimato e a solidão da experiência urbana que é essa cidade. E não porque tudo isso me pareça muito bom, mas porque em tudo isso, em toda a inescapável tristeza contida em tamanho despropósito de cidade, mora uma riqueza de humanidades inigualável. Experiência de absurdo. Realidade - aprende-se depressa.

O fascínio por São Paulo é o fascínio pela solidão humana. É a estranha mescla de atração e repulsa pelo lado grotesco da vida. Não só o grotesco explícito, exposto nas ruas, calçadas, paisagens e rostos desfigurados pelo abandono. Mas o grotesco do paradoxo, do absurdo de uma cidade onde o tudo e o nada convivem lado a lado. Porque há sim beleza naquela cidade. Há beleza no Centro, nos antigos edifícios às portas dos quais dormem os solitários de todos os dias. Beleza das artes todas que brotam e florescem em meio ao concreto duro, cinza e áspero. Beleza no canto dos monges de São Bento, cobertos pela mesma batina que encobre os crimes de uma Igreja decrépita.

Amar São Paulo é amar o absurdo da vida. O completo disparate de encontrar o belo no que há de mais grotesco. E não tem jeito, alguma coisa sempre, sempre acontece no meu coração....

quinta-feira, 25 de junho de 2009

E eis que surge Vítor Araújo

Ele, na verdade, já surgiu há algum tempo, apesar da pouquíssima idade que tem. Mas pra mim, nasceu ontem, plena quarta-feira, no Clube do Choro, casa meio vazia de gente, mas cheia, repleta de gentes extasiadas com o que ouviam e sentiam. Ele ainda se apresenta hoje e amanhã, pra quem se animar.


segunda-feira, 15 de junho de 2009

Nina Simone

Gosto de pensar que me chamo Nina por causa de Nina Simone. Não é exatamente essa a história que me contaram, mas digamos que foi essa a que inventei pra mim - porque, afinal de contas, não existe nesse mundo nenhuma razão melhor pra uma mulher se chamar Nina. E o mais louco é que Nina Simone não se chamava Nina. Se auto-batizou Nina, como quem se proclama rainha, ou como quem se declara livre. É isso - o Nina de Nina Simone é uma espécie de auto-declaração de liberdade. E eis o que ela diz e canta sobre a liberdade...






Nunca ouvi ninguém cantar ou tocar com tanta emoção, com tanta intenção, com tanta majestade. Ouvir Nina Simone é sempre uma descoberta, um despertar. Impossível ficar indiferente. Vai dizer que você também não queria se chamar Nina agora?

Her Morning Elegance

sábado, 13 de junho de 2009

Falsificando humanidade

Ontem fui assistir "Os Falsários", filme de 2007 , do austríaco Stefan Ruzowitsky que só agora chegou aos cinemas brasilienses. Entramos no cinema - Beto e eu - entre curiosos e cansados (mais um filme sobre o Holocausto...), saímos impactados e impressionados.

O filme é, de fato, mais um filme sobre o Holocausto. Mas, além de qualidades diversas, tem originalidade. Tem uma estética particular, uma direção pouco convencional, uma trilha sonora que se destaca (uma das mais bonitas versões do tango Mano a Mano...) e atuações fortes. E um roteiro original, baseado na história real da "Operação Bernhard", conduzida pelos nazistas durante a guerra e responsável pelo maior empreendimento de falsificação de dinheiro do mundo.

A operação consistia na produção de documentos e de dinheiro falso por uma equipe de judeus "especialistas" que, separados dos demais num campo de concentração, eram forçados a contribuir para o financiamento da loucura nazista. Digo separados, porque a esse grupo específico eram proporcionandas "regalias" que os outros sequer imaginavam. Camas macias, banho, comida, música, finais de semana. Claro, trabalho escravo com algumas humilhações básicas no meio do campo. Mas, ainda assim, um verdadeiro oásis em meio ao horror.

E a crueldade - e também a originalidade - do filme é exatamente essa: mostrar que, diante do inenarrável do horror, qualquer coisa vale pra se recriar uma mínima ilusão de humanidade. No caso do filme, isso significa aqueles judeus, "prisioneiros especiais", criando e imprimindo o dinheiro que irá financiar a continuidade das atrocidades alemãs durante a II Guerra, enquanto suas mulheres, seus filhos, seus pais, seus irmãos, em estado de total desumanidade, continuam sendo fuzilados, entoxicados, mortos.

O filme faz um percurso contrário ao do Pianista, no qual acompanhamos o processo de desumanização - de animalização - de um homem dos mais humanizados. Em "Os Falsários", de um estado de completa desumanidade, reconstrói-se a sensação de se ser humano numa situação limite, cheia de contradições e de paradoxos.

No fundo, é isso o que os falsários falsificam: a própria humanidade. E nesse sentido, o filme nos permite ultrapassar as contingências históricas e étnicas para nos fazer pensar na nossa própria falsificação cotidiana de humanidade - essa que nos permite tratar nossas desigualdades mais profundas como cenas de um filme que sequer nos interessa.

Vale a pena ver.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Atos secretos no espaço público.

Uma pergunta nem tão prosaica: "ato secreto" é um termo oficial? Ou é algo que a imprensa inventou? Porque não consigo acreditar que possa existir tal figura na administração pública (ainda que eu entenda lhufas de administração pública...). "Ato secreto", dentro do espaço público?? Como assim?? Pra mim "atos secretos" tem sabor de adultério a la "Primo Basílio", ou de ninfomania de batina, a la "Crime do Padre Amaro". "Ato secreto" é Eça de Queirós puro!!!

E a melhor parte é o Sarney reafirmando que não sabia de nada. Mais de 3.000 reais todo mês "sobrando" na conta e ele nunca se deu conta de que recebia auxílio-moradia. O neto do sujeito trabalhando na casa que ele preside, e ele não sabia de nada. Já pensou se o Bill Clinton, depois daquele boquete histórico, tivesse vindo a público dizer "puxa, eu nunca tinha percebido...Monica who???"??

Não tô dando conta mais desse Parlamento esdrúxulo, de atos secretos e privados invadindo o espaço supostamente público. Tem que mandar todo mundo voltar pra escola e aprender um pouco sobre república, cidadania, democracia. Ops! Só que a gente não aprende isso nas nossas escolas... Você já tinha percebido?

terça-feira, 9 de junho de 2009

Desabafo

Por Angelita Garcia

Primeiro foi o Renew...

Não... não, não: primeiro foi a consulta médica, com ela dizendo:"Tudo bem temos que lhe operar por causa dos miomas. Mas, NESSA IDADE, você já deveria saber se quer engravidar ou não..." .

Saí do consultório atordoada, mais por causa dESSA IDADE do que pela cirurgia em si.

Daí, logo na esquina, pra aliviar a tensão, fui às compras. Pensando nas olheiras de preocupação, entrei numa lojinha, e pedi para a vendedora "Moça, eu vi uma vez um creme para a área dos olhos, que clareia as manchas de olheira." Ela me mediu. SIM, ELA ME MEDIU, não de cima a baixo, mas do queixo à testa - o que fui muuuuito pior. "Ah, tá. Na sua idade (quantos anos você tem, mesmo?) já esse creminho não serve. Você tem que comprar um Renew".

Pirei. Pura e simplesmente. E ainda pensei "Nunca mais vou desafogar nada, pois posso descobrir que na minha idade não há como se desafogar!"

Passaram- se os meses - e as cirurgias - e tudo está quase no lugar. Quase, não fosse a Dra Médica fazer a contagem regressiva para a minha gravidez: "Bem, você, agora, tem 18 meses para engravidar...". O Renew tá lá. Eu odeio aquele pote.. Tem duas cores : "Olha moça, um é para a área das pálpebras, dá uma levantadinha, sabe... E a outra é para os pés de galinha... e essas ruguinhas que foram se formando com o tempo..." ÓDIO!

Depois, foi a reabilitação alimentar. Ótimo. To emagrecendo... Mas algumas partes do meu corpo tem vida agitada, sabe... Se movimentam mais que antes... Mas deixa esse assunto pra outra hora.

Bem, nesta semana, acordo cedo pra ir à dentista. Conversa daqui, rodeia dali e ela dispara: "Seu dente está fora do lugar. Compleamente. Não dá para mexer nele se você não for ao ortodontista." "ORTODONTISTA?!?!?! Aquele do aparelho????" - eu, atônita. Ela, fina, "Tudo bem, vc vai apenas movimentar um dente, pra gente poder arrumar o de baixo.". Alívio: "Ah, tá...".

Hoje fui ao tal Ortodontista. Ele olhou, olhou, disparou: "Quantos anos você tem, mesmo?"... " Curta e grossa: "38". Hum... Bem, faremos um procedimento de colocar um pequeno pino e os dois dentes vão para o lugar.". "Ótimo! Quanto custa, onde eu faço, quando posso voltar para a minha dentista para continuar o tratamento?". Ele, lentamente: "Olha, não é muito caro, não. A única coisa é que, no seu caso, demora... deixa eu ver... de seis meses a um ano. Mas vai dar certo... A gente coloca um aparelho na boca toda e..." "NA BOCA TODA? NA MINHA IDADE?!?!?!?". Ele... "É.. senão demora mais...".

To envelhecendo, tenho que engravidar logo, to ficando flácida, nem posso chorar por causa disso que só o bendito do Renew vai resolver, e ainda tenho que entrar nos 40 anos com aparelho iluminando meus dias. PODE?!?!?!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Grandes olhos e grandes galhos

Glossário

FIM: o fim é a falta de novos começos.
ENIGMA: eu para mim às vezes.
CARAVANA: bonito ver passar. Várias gentes, gentes várias. Muitas cores e alguma música. Ou não. Ou todos cansados, com muita sede, os olhos cegos pela areia. Nunca chegando a lugar algum.
GAIOLA: canto triste de pássaro preso. Vôo em potencial.
LIBERDADE: o vôo do pássaro preso na gaiola.
ESCREVER: fazer vida, viver. Dar fim ao enigma do ser, dar liberdade ao pássaro na gaiola, conduzir a caravana.
NAUFRÁGIO: afundamento. Não fazer vida. Não desvendar algum dia o enigma.
LUZ: vai acabar, ao que parece.
TEMPO: sempre falta, nunca volta, nunca dura. O tempo (minúsculo) é o castrador das vidas, o algoz dos sonhos irrealizados.
PAPEL: em branco. E agora?
FOTOGRAFIA: pedaços seqüestrados de almas alheias. Às vezes da minha.
CAIXA: de papel, de madeira, de prata, de palha, de pandora. Permanece a esperança. Por que? Tão ruim viver de esperança...
REDE: acessório indispensável nas tardes agradáveis de qualquer tempo, de qualquer lugar. Balanço de água, de ar. Sensação de ser criança de novo.
SAPATO: engraçados alguns. Talvez das coisas que mais digam a respeito de uma pessoa. Divertido tentar adivinhar como é alguém olhando para o sapato.
CHUVA: cheiro de terra molhada, verdejar de tudo. Cidade verde e viva. A chuva é mais chuva para quem vive em Brasília.
MÃOS: galhos vivos que se mexem. Grandes operárias do cérebro.
FIM: nada mais. Faltam-me novos começos. O tempo urge... O tempo, sempre o tempo...

domingo, 7 de junho de 2009

Fantasia do eterno retorno

Vai parecer assim, meio auto-ajuda, mas não é não. É desabafo, crítica ao ritmo urbano contemporâneo da vida. O fato é que não me conformo com nossa crescente falta de habilidade pra se relacionar com o Tempo. Não o tempo arbitrário, horas, minutos e segundos, algozes controladores da nossa vida pós-moderna, mas o Tempo entidade, forte, cíclico, inescapável. Tempo caminhar da vida, certo e ininterrupto.

Somos inábeis porque resistimos a compreender a inescapabilidade deste Tempo maiúsculo e a aceitar o movimento que ele impõe à vida. Insistimos na possibilidade de fazê-lo parar, retroceder, diminuir a marcha. E é impressionantemente vã toda a tentativa.

Penso nas agendas ultra-lotadas, nos compromissos acumulados e impossíveis, no descuido do corpo, da mente, do mundo, na obsessão pela juventude. Corremos contra.

Esse é um tema pra mim. Tem sido. Como criatura urbana - ainda que de uma urbanidade bizarra como essa de Brasília - e meio romântica, alimento a fantasia do retorno ancestral à terra, onde o cotidiano caminha junto com o Tempo, e não contra ele. E isso mobiliza muita coisa em mim, me faz questionar muitas coisas. Por exemplo: o que comer, por que comprar, onde morar, o que jogar fora, como e em que trabalhar, que causas abraçar e com que intensidade, como me mover pela cidade, como me relacionar, quanto me dedicar à minha casa e à minha vida doméstica. Difícil DEMAIS encontrar respostas viáveis a essas perguntas. Quero dizer, difícil colocar em prática as respostas que encontramos, porque elas vão contra a maré do mundo. E veja como a coisa aí fica complicada: elas vão a favor do Tempo (esse que defini ali encima), mas contra o ritmo ocidental pós-moderno da nossa humanidade. Conta difícil de fechar.

E, porque é difícil, alimento a fantasia do retorno. Retorno idealizado, está claro, porque eu mesma nunca experimentei, de verdade, essa vida idílica e harmônica com que sonho. Enquanto isso, vou buscando caminhos possíveis de aproximação (a esmiuçar nos próximos posts...).

sábado, 6 de junho de 2009

Para começar.

Louco, criar um blog. Faz muito tempo que penso nisso. Sempre tive muitas resistências à idéia, porque sempre a associava à coisa do diário público - algo que me incomoda profundamente, aliás. E olha que sou uma escritora de diários desde que me lembro, mas pra mim eles são tão pessoais e intransferíveis, que não entendo muito a moda de torná-los públicos. Mas bem, o mundo é vasto e a mente e os desejos humanos mais ainda. O que quero dizer é que não será este blog um diário público.

O que ele será, aí já não sei muito bem. Espaço para escritos vários - meus e de amigos que escrevem. Um mexido de crônicas, opiniões e, por que não, de literatura. Vai ser deixar fluir a necessidade da escrita na forma que vier, e dialogar sobre o que sair.

Olhos Grandes, porque os tenho, porque gosto da imagem, da idéia - pra mim sinônimo de curiosidade, observação, avidez, encantamento. E também por causa de um belo livro de contos da Angeles Mastretta (Mujeres de Ojos Grandes), que, por acaso, andei relendo logo antes de querer começar este blog. São histórias das tias da autora (e aí não sei quantas são as tias reais e quantas são as fictícias), suas vidas, suas paixões, seus momentos mais marcantes na vida.

"Las tías de Mujeres de ojos grandes rompen con lo establecido buscando su propia felicidad. Sin necesidad de una lucha consciente o totalmente abierta, en contra del poder patriarcal y sin discutir causas o tesis feministas específicas, van en contra de convenciones morales y sociales que las oprimen y les impiden libertad sexual y de acción. En su entrevista con Mauricio Carrera, Ángeles Mastretta afirmaba que, efectivamente, "son mujeres que ponen de manifiesto el poder que tienen en sus casas y el poder que asimismo tienen para hacer con sus vidas lo que quieran, aunque no lo demuestren. Son mujeres poderosas que se saben poderosas pero que no lo ostentan"". (Carlos M. Coria-Sánchez)

Belo. Leitura que vale a pena.

Enfim, é isso que o blog vai ser: lugar de traduzir as imagens retidas por grandes olhos.